E BUSCA DOS CABELOS
BRANCOS
O GRUPO DE PESQUISAS CLÍNICAS LAL TROPEÇOU NA HORA DO CRESCIMENTO ACELERADO. TROCOU, ENTÃO, AÇÕES DA EMPRESA PELO CONHECIMENTO DE UM GESTOR EXPERIENTE E PARECE ESTAR CONSEGUINDO BONS RESULTADOS
“Alexandre, nós vamos quebrar.” É como se contasse um “causo”, com uma simplicidade quase interiorana, que Luciana Bortolassi Ferrari lembra de um dos momentos mais difíceis do grupo de pesquisas clínicas LaL. Simplicidade quase interiorana, não. Interiorana, mesmo. “A gente é do interior e tem muito orgulho disso”, diz ela, farmacêutica bioquímica de formação que, com o médico Alexandre Frederico, criou o Grupo LaL em Valinhos (SP), em 2000. O momento difícil aconteceu no ano passado, naquela que costuma ser a hora mais desafiadora de todos os empreendedores: a do crescimento acelerado. Com as multinacionais do setor farmacêutico precisando desenvolver produtos locais e os laboratórios nacionais e indústrias de beleza investindo mais em pesquisa, as encomendas por estudos aumentaram de forma exponencial. “Precisávamos crescer de forma saudável”, diz Luciana. “Os serviços que prestamos têm alto valor agregado, mas ciclos muito longos, de um ano e meio, no mínimo. Investimos muito para um recebimento de longo prazo, e o caixa não fechava.”
Luciana e Alexandre (daí vem a sigla LaL) já haviam tentado, algum tempo antes, contratar um consultor para ajudá-los. Mas no dia a dia de uma pequena empresa, em que todos se envolvem em vários processos, a implantação das soluções acabou ficando na gaveta. Também pensaram em contratar um diretor financeiro. Porém, com a autoridade e autoconfiança dos empreendedores, achavam que seria difícil respeitá-lo e seguir suas orientações. Assim, quando Fernando Blanco, ex-presidente da gigante francesa Coface no Brasil, ex-diretor executivo dos bancos Real, ING e Natixis e mentor do Instituto Endeavor por dez anos, foi apresentado por meio de um amigo, eles acharam que tinham uma solução: ofereceram-lhe participação na empresa, em troca de seu conhecimento.
Oferecer sociedade em troca de reestruturação não é uma prática comum, apesar de alguns fundos de private equity e venture capital manterem bancos de talento para atuar nas empresas em que investem. “Não é comum, mas é uma prática que tende a crescer”, diz Denise Delboni, professora de relações de trabalho da Escola de Administração de Empresas da FGV. “Tanto por parte das empresas, que precisam de mentores, quanto dos profissionais mais experientes, principalmente dos que estão em vias de se aposentar, mas querem manter um vínculo com o mercado e continuar explorando sua expertise, um ativo muito valioso para qualquer campo de atuação.”
Aos 52 anos, Blanco está longe de se aposentar. Resolveu aproveitar o desafio, logo após liderar a reestruturação da Egesa Engenharia, diz ele, exatamente pela possibilidade de... mudar para o interior e ter mais qualidade de vida. Além de, é claro, aproveitar o potencial de crescimento do LaL e lucrar quando ela estiver arrumada. “Há essa pressão de caixa temporária, mas, no futuro, essa empresa será uma pérola.” O LaL é uma CRO, a sigla em inglês para Contract Research Organization. De modo simples, é uma prestadora de serviços para a indústria farmacêutica e de beleza. Faz testes de bioequivalência, que mostram se determinado medicamento produz os mesmos efeitos de outro similar. Também testa produtos e remédios em desenvolvimento, em diferentes fases de pesquisa, em seres humanos. Presta serviços clínicos e analíticos e fez, no ano passado, parcerias com laboratórios na Argentina, no Chile e na Colômbia.
O mercado em que o LaL atua nasceu com a criação da Anvisa, em 1999. “Até aquela época, a única pesquisa que a indústria nacional fazia era a de mercado”, diz, em tom de brincadeira, Alexandre. À época, ele e Luciana eram funcionários da Ativus Farmacêutica, uma indústria de médio porte também em Valinhos. Eles fundaram o LaL depois de um pedido do dono da Ativus, que não sabia como atender às determinações da Anvisa. No começo, faziam os testes de bioequivalência levando participantes a hospitais da região. Eram, literalmente, faz-tudo. “Éramos mais mão de obra do que empresários: levantávamos a bibliografia, o protocolo na Comissão de Ética, recrutávamos participantes, fazíamos os exames prévios, os recebíamos na porta do hospital na sexta à noite e, às 4 da manhã do dia seguinte, começávamos os testes”, diz Alexandre. “No dia seguinte, repetíamos tudo de novo.”
Longo prazo
Os resultados, porém, apareceram. O LaL, que começou funcionando numa casa de três cômodos e dez funcionários, hoje fica num prédio de 1,4 mil metros quadrados, erguido especialmente para a empresa. Tem 55 empregados, sendo que, no departamento de pesquisas, todos têm doutorado. Em 2014, o faturamento deve ficar em R$ 13 milhões. Pode parecer fácil explorar um nicho praticamente criado do dia para a noite com uma canetada do governo, mas Alexandre e Luciana parecem ter sabido se posicionar. À mesma época em que o LaL foi criado, mais de dez centros de bioequivalência surgiram no mercado. “Sabíamos que, no longo prazo, não era um negócio sustentável”, diz Alexandre. “Hoje há uma média de 20 patentes que expiram por ano [que permitem a feitura de testes para a criação de similares e genéricos]. É um mercado limitado.” Foi assim que criaram um dos primeiros CROs do país. Sua área de atuação é mais complexa e permite pesquisas mais profundas e sofisticadas para a indústria farmacêutica. Muitos centros de bioequivalência acabaram fechando.
Os resultados, porém, apareceram. O LaL, que começou funcionando numa casa de três cômodos e dez funcionários, hoje fica num prédio de 1,4 mil metros quadrados, erguido especialmente para a empresa. Tem 55 empregados, sendo que, no departamento de pesquisas, todos têm doutorado. Em 2014, o faturamento deve ficar em R$ 13 milhões. Pode parecer fácil explorar um nicho praticamente criado do dia para a noite com uma canetada do governo, mas Alexandre e Luciana parecem ter sabido se posicionar. À mesma época em que o LaL foi criado, mais de dez centros de bioequivalência surgiram no mercado. “Sabíamos que, no longo prazo, não era um negócio sustentável”, diz Alexandre. “Hoje há uma média de 20 patentes que expiram por ano [que permitem a feitura de testes para a criação de similares e genéricos]. É um mercado limitado.” Foi assim que criaram um dos primeiros CROs do país. Sua área de atuação é mais complexa e permite pesquisas mais profundas e sofisticadas para a indústria farmacêutica. Muitos centros de bioequivalência acabaram fechando.
Com serviços mais baratos do que os CROs multinacionais e com soluções de acordo com as complexidades legais brasileiras, o LaL avançou no mercado. Todas as grandes indústrias farmacêuticas nacionais são suas clientes e há várias conversas com multinacionais. Hoje, o LaL tem 37 projetos contratados. Muito, para uma estrutura tão enxuta. “Numa pequena empresa, cada negócio novo que entra você toca o sino e vai para o banheiro chorar”, diz Blanco. “Eles estavam se tornando vítimas do próprio sucesso.”
Para Blanco, seu papel no LaL tem sido estimular a equipe a otimizar processos para ganhar musculatura, com o mesmo custo. Uma das salas em que eram realizados testes de produtos para cabelos, por exemplo, perdeu pias e ganhou um revestimento de papel kraft nas paredes. Cada uma das áreas da empresa esquematizou seus processos com a ajuda de muitos post-its. Depois, colocaram novas folhas de papel sobre os procedimentos incompletos, desperdícios ou em atividades nas quais era possível ganhar agilidade. “Por muito tempo, os sócios se dedicaram a tantas frentes que se esqueceram de criar a governança, seja em comitês de trabalho, na distribuição de funções ou mesmo em outras políticas da empresa”, afirma Blanco.
Em oito meses, diz ele, a cara do LaL é outra. A precificação dos serviços, por exemplo, ganhou o que ele chama de autoestima. “Quando a empresa é pequena e brigou muito para conquistar um grande cliente, parece que vai morrer se o perder depois de tanto trabalho”, afirma ele, que diz ter “sangue gelado de banqueiro” na hora de negociar o preço. “Mas, se o valor cobrado não dá retorno, a gente não fecha negócio.” Blanco, que tinha atuado na área comercial em outras passagens profissionais, acreditava que cuidaria das vendas também no LaL. Mas foi só ouvir Luciana conversar com os clientes para perceber que ela seria mais eficiente nesse papel, já que é uma venda técnica. “Eu os liberei para cuidar do que fazem melhor”, diz ele.
Criador do IDCC (Instituto para o Desenvolvimento da Cultura do Crédito), em que divulga conhecimentos para pequenas empresas sobre como tomar empréstimos, da época em que cuidava da área em bancos, Blanco, agora, busca crédito para sua companhia. Ele acredita que, provavelmente, no médio prazo, parte do LaL será adquirida por algum fundo de venture capital ou mesmo um investidor anjo. “Esse mercado aponta para um crescimento, mas é preciso ter fôlego para chegar lá”, diz.
A Aliança Pesquisa Clínica Brasil, movimento criado a partir da união de 20 organizações de pesquisadores, médicos, pacientes e empresas do setor para tentar diminuir a burocracia dos órgãos reguladores, diz que esse crescimento esperado não é garantido. “Vai depender de como a regulamentação se colocará”, diz Vítor Harada, membro do comitê gestor da Aliança. Isso porque, apesar de o país ter uma estrutura sofisticada para pesquisa clínica, o tempo para a aprovação de um estudo clínico é de até um ano e meio, enquanto a média mundial é de quatro meses. “O Brasil era sempre o último país a fazer parte das pesquisas clínicas globais”, diz Luciana. “Mas, nos últimos tempos, piorou tanto que o país deixou de ser cogitado para esses estudos.” Levantamento da Interfarma mostra que o Brasil perdeu 12 estudos clínicos em 2012 e outros 33 corriam o mesmo risco, pela demora em sua aprovação.
Esse foi o motivo que levou o LaL a fazer parcerias com instituições similares latino-americanas. Os testes começam no Chile, Colômbia e Argentina e, quando liberados pela Anvisa, já estão em estágio avançado. Mas só uma parte pequena do dinheiro fica no país.
Os sócios do LaL esperam que seja uma questão de tempo e ajuste até que não só as indústrias nacionais passem a desenvolver pesquisas em estágio mais avançado, como também seja reduzida a burocracia interna. Até lá, como diz Blanco, já pegando as expressões do interior, “aqui, como costumamos dizer, em cada enxadada tiramos uma minhoca”.
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